Inspirado em fatos ocorridos na Mogi de antigamente
Corria o ano de 1933 no povoado de Rio das Cobras uma vila próspera a leste da capital
paulista que era tida como refúgio de veraneio dos paulistanos pelo clima serrano. Situada no Alto
Tietê região, à época conhecida pela farta produção agrícola como Cinturão Verde sendo sua
principal fonte de riquezas além de algumas indústrias. O que gerava boas arrecadações de Imposto
que eram regularmente cobrados pela Coletoria Federal representada pelo seu chefe.
Marcondes era o Coletor de Impostos chefe da Coletoria Federal e se tratava de um sujeito
bem apessoado, sempre bem vestido, por volta dos seus 35 anos, casado com Dona Concheta,
professora do grupo escolar. O tal Marcondes era um sujeito normal, mas acontecia que quase
sempre não continha dentro das calças e, feito a Don Juan, investia sobre as mulheres da sociedade
riocobrense, a maioria casada. O assunto “Marcondes” era petisco principal em botequins e
barbearias do centro além pulular o imaginário feminino. Afinal, podia-se dizer que era um prato
para muitas colheres.
Ele chamava a atenção por onde passava, afinal o mito se compunha de galhardia, sempre
bem trajado em ternos italianos bem cortados, bigodes aparados, cabelos penteados e ainda era
funcionário público federal no cargo de chefe da coletoria federal. Sua fama se espalhara pelos
quatro cantos da cidade, pois ele era conhecido e temido como: “O Coletor de impostos”. Em sua
função ele visitava estabelecimentos industriais, comerciais em que os auditava e vendia selos de
controle de arrecadação etc. Foi numa visita dessas que conheceu e se apaixonou perdidamente por
uma Deusa Loura.
A Deusa Loura era Frida uma alemã que chegara a Rio das cobras fugida da I.
a Grande Guerra — Mulher linda que apesar dos seus quarenta anos trazia em sua tez rósea o viço da juventude
que dava a impressão de que a pele saltava a tocar os olhos de quem a olhasse. O seu corpo era
escultural de invejar a Buonarroti. E seus cabelos castanhos claros em cascata escorriam sobre os
ombros a emoldurar sua face delicada iluminada por duas pérolas azuis violeta encrustadas no lugar
dos olhos. — Puxa! Ela como é linda, a mais bela que já vi. — Disse Marcondes a si mesmo da
primeira vez que a viu. E ele tinha motivos de sobra de ficar aceso, pois a fêmea era Vênus
materializada. Que beleza era ela. E que brabeza era o marido dela! Gerard era seu nome. Um alemão
alto, forte e vigoroso, — Capitão Gerard! Primeiro pelotão de infantaria. Condecorado por atos
heroicos e bravura na Grande Guerra Mundial! — Ele se apresentava com um orgulho alemão
quando o assunto era o conflito na Europa.
Marcondes, o Casanova, comovido pela a beldade, se dispôs a visitar com frequência na loja
da família da Deusa Loura, — Situada na Rua Treze de Maio, bem ao lado da Igreja do Rosário —
indo sempre com pretextos de vender selos para a curtidora de couros que, também, pertencia à
família. Entrava na loja e passava horas realizando seu árduo trabalho de coletor de conquistas, —
Perdão, quero dizer — de impostos. As visitas, constantes, chamaram a atenção da vizinhança. Não
era para menos, em frente à casa da beldade bavariana funcionava o mais concorrido instituto de
beleza da cidade, administrado por dona Tunica — Assim, o caso começou à boca pequena, e logo,
como um rastilho de pólvora, tomou conta do imaginário popular. Nas altas rodas sociais fizeram
até bolsas de apostas a respeito dos prováveis desfechos do causo.
Mas mesmo assim, sabedor que o assunto se tornara público — pois por onde passava ouvia
piadinhas a respeito — as visitas de Marcondes não cessaram. Frida o recebia com maestria, afinal,
ele poderia vir a cometer abusos que poderiam prejudicar os negócios do curtume. A mulher se
esquivava do predador como podia, resolvia as situações embaraçosas sem comentar nada ao
marido, que parecia não saber de nada — o que devia ser impossível, afinal, a cidade toda comentava
aos quatro ventos. Prova disso é que havia a bolsa de apostas que crescia a galope. Talvez, quando
o informaram sobre o tal Marcondes, ele tenha feito ouvido de mercador, ou então, fingiu não ter
nada com o assunto.
Visita sobre visita era a constante do talzinho em que a cada dia investia com mais ousadia
e nada da mulher ceder aos seus caprichos de macho no cio. Eram flores, presentes e nada. O coitado
foi se irritando com sua impotência até que em dado momento de muita irritação, resolveu dar a
cartada final.
Foi logo cedo à casa do alemão — nessas alturas dos acontecimentos, quando ele passava, a
vizinhança soltava das suas, ocultamente, para ele ouvir, tais como: “Lá vai ele!” ou. “Deixa lá!”
ou. “Esse aí, ainda vai se dar mal!” — bateu na porta como de costume sob olhares assistentes. Logo
foi recebido. Dentro da casa nem se acomodou! Foi dizendo de chofre à alemã:
— Você Frida, sabe bem de minhas intenções e não está querendo colaborar. — Frida
prontamente respondeu:
— Sei sim! Sua postura é muito clara, o senhor me cobra os impostos e eu os pago sem
atrasos e com lisura. E ele reagiu querendo entrar no assunto de eles dois:
— Frida!… — Disse ele com certa intimidade e continuou. — Você não tem percebido
minhas afetações? — A loura dissimulou e ironizou ao responder:
— Percebi que o senhor, às vezes, chega gaguejando e mal consegue, em certos momentos,
concluir uma frase — E completou — Acho o senhor um tanto quanto disléxico! Só isso. —
Marcondes se irritou e quase partiu pra cima dela com ignorância:
— Chega de ironias Frida! — Esbravejou ele. — Se você não fizer o que quero! Vou aplicar
um número tão grande de multas à curtidora de couros. Que seu marido vai ser obrigado a fechar as
portas. — Frida pensou por um instante e calmamente respondeu:
— Já que os valores a serem cobrados podem ser tão altos assim e depende de mim a abertura
ou fechamento da curtidora de couros, que é de uso exclusivo de meu marido, pois é de direito
declarado, por meu pai, o usufruto. Entendo que o senhor deverá voltar amanhã. Assim, hoje à noite
exponho ao capitão Gerard minha decisão sobre o assunto em questão, e depois. — Cortou ele
ansiosamente:
— Depois o quê, Fridinha? — E esperou esperançoso a resposta da amada:
— Depois, lhe introduzo ao desfrute de que nos é imposto, para que gozes, sobremaneira, do
produto de suas colocações. Entendo que o senhor esteja no gozo perfeito de faculdades… —
Ironizou ela em que respondeu sem pestanejar:
— Mas é claro que sim! É tudo que pretendo. Gozar! — Argumentou suspirante quando a
loura, enfadada, o despachou:
— Pois então, volte amanhã no horário de costume. — Marcondes se alegrou, pois,
finalmente, chegara o dia de concluir o intento que há meses sonhava. Saiu da loja direto para casa.
Naquela noite mal dormira em que ia e vinha do banheiro com frequência e saía para fumar.
Rolava na cama, enfim, ele passou a noite em claro. Ainda era cinco da manhã quando decidiu se
preparar para o encontro. Assim, tomou um longo banho, de príncipe, regado a sais e óleos
aromáticos. Fez a barba com esmero; escolheu seu melhor terno; calçou seu melhor par de sapatos
e usou até perfume francês.
Saiu de casa às oito e quarenta e cinco. No caminho comprou um ramalhete. Chegou à rua
13 de maio que, a essa altura já se achava movimentada. É sabido que as visitas de Marcondes há
muito eram monitoradas pela vizinhança e transeuntes. No caminho, encontrou piadistas de
passagem e apostadores de plantão. Bem, até então tudo de acordo com a normalidade. Bateu à porta
e esperou por um instante. A porta se abriu e para sua surpresa ela estava sendo aberta pelo capitão
Gerard, que saiu à calçada como se fizesse questão de ser visto. O Marcondes ficou pálido. O susto
foi tão desconcertante que até as flores murcharam. A assistência pública, quase em uníssono,
sussurrou:
— Nossa senhora! É hoje que a jurupoca vai chiar! — O alemão o convidou para entrar. Já
dentro da casa, conduziu o Don Juan ao gabinete em que ocupou o seu lugar da mesa e Marcondes
o de visitante. Em seguida, abriu uma gaveta da escrivaninha, tirou alguns livros e os colocou a sua
esquerda e sobre eles descansou um revólver que também retirou da gaveta. Gerard apresentou os
livros com retidão e volta e meia depositava a mão sobre a arma e o perguntava se estava tudo certo.
O qual se limitava a gaguejar um “Sim senhor, está tudo certo, senhor Gerard”.
Bem, tudo explicado. O coletor não aplicou multas dizendo que tinha se enganado. O safado
desconversou. Porém ao sair foi interpelado com rigor pelo capitão:
— Agora, Sr. Marcondes, só tem mais um detalhe que eu gostaria de esclarecer. — Falou o
alemão de modo sinistro em que Marcondes quase borrou as calças e meio gaguejante interpelou:
— Que detalhe? — E continuou assustado. Gerard tomou ares de interrogador e se inclinou
sobre ele com o dedo em riste:
— O senhor investiu sobre minha mulher com ameaças e imposições, dizendo que se ela não
cumprisse suas exigências poderia ser muito pior. Que exigências são essas? — Perguntou o marido
em tom ameaçador. O tal Marcondes empalideceu e respondeu aos gaguejos:
— Eu não fiz nada disso. — O talzinho se encolheu amedrontado enquanto o Capitão se
impunha:
— Então, a Frida inventou tudo, só para prejudicá-lo? — Completou o alemão ironicamente.
Enquanto o Chefe da Coletoria se encolhia ainda mais e respondia como podia:
— Me desculpe, Sr. Gerard — Gaguejante continuou. — Acho que foi só um mal entendido.
— O alemão parecia se divertir com a situação do, até então, poderoso e temido Coletor de Impostos
e assim continuou:
— O senhor julga dizer a verdade? — Perguntou o alemão e concluiu — Para provar sua
honestidade e inocência no acontecido o senhor seria capaz de passar por uma prova de honradez?
— Marcondes respondeu sem questionar nada, afinal ele não estava em condições de fazer qualquer
exigência e logo concordou:
— Qualquer uma que o senhor quiser! — Disse isso, tentando se livrar do assunto. E assim
definiu o capitão, o seguinte:
— O senhor vai tirar toda roupa e ficar apenas de cuecas, camiseta, meias e sapatos na rua
em frente da casa. Depois, vai pegar o balde, a vassoura e lavar toda a calçada da frente da minha
loja de esquina a esquina. Está certo? O senhor aceita cumprir a tarefa como prova de sua honradez?
— Indagou a ele, Gerard, enquanto Marcondes torceu o nariz e tentou refutar:
— Mas isso é um absurdo — Argumentou ele. Perante a declaração dele o Capitão já foi se
preparando para atitudes drásticas em que Marcondes ao perceber arregalou os olhos a espera de
que o alemão ia dizer:
— Sendo assim eu terei de tomar outras providências. — E foi arregaçando as mangas da
camisa e de imediato o Coletor de Impostos acordou:
— Não, não. Pode deixar! Eu faço! — Dito e feito a figura se pôs a lavar a calçada só de
camiseta, ceroulas, sapatos e meias-liga sob os olhares, chacotas e deboches de todos. Foi uma
vergonha para o galante conquistador. Depois disso, nunca mais se ouviu falar do Marcondes, O
Coletor de Impostos, e sua mulher, quanto a Frida ninguém nunca mais se atreveu a engraçar com
ela.