A recente decisão do governo dos Estados Unidos de impor sanções ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, deve repercutir não apenas na esfera política, mas também na vida financeira e digital do magistrado. As sanções foram aplicadas com base na Lei Global Magnitsky — uma das ferramentas mais severas da política externa americana para punir estrangeiros acusados de graves violações de direitos humanos e corrupção. Moraes, que já havia tido o visto revogado no último dia 18 de julho, agora enfrenta consequências mais amplas: está proibido de entrar em território americano, pode ter bens congelados nos EUA e está impedido de realizar transações com qualquer pessoa ou empresa americana.
O impacto mais imediato pode ser sentido nos serviços financeiros. De acordo com a advogada Natalia Kubesch, da organização britânica Redress, que atua em defesa de vítimas de tortura e abusos, a proibição de transações pode afetar até cartões de crédito emitidos no Brasil, caso estejam vinculados a bandeiras como Visa, MasterCard e American Express — todas com sede nos EUA. A especialista explica que, embora a aplicação dependa de avaliações específicas de cada instituição, há precedentes que indicam o risco de bloqueios. “A American Express, por exemplo, encerrou contas de clientes ligados ao Irã após sanções. E em 2022, Visa, MasterCard e American Express cortaram laços com bancos russos”, relembra Kubesch.
O cerco também pode atingir contas bancárias em instituições brasileiras que operam com o sistema financeiro americano, criando um efeito cascata. Bancos e empresas que mantêm vínculos com sancionados podem eles próprios se tornar alvos de punições. A rede de restrições ainda se estende ao ambiente digital. Embora haja uma “zona jurídica cinzenta” no que diz respeito às redes sociais, plataformas como Google, Meta e X (ex-Twitter), todas sediadas nos EUA, poderiam decidir suspender as contas de Moraes. Ainda segundo Kubesch, não há uma obrigatoriedade legal imediata para esses bloqueios, mas as empresas podem agir de forma preventiva, como já ocorreu em casos anteriores envolvendo líderes chechenos e russos.
Além disso, Moraes pode enfrentar dificuldades para acessar serviços como armazenamento em nuvem, plataformas de pagamento digital e até assinaturas de streaming com sede nos EUA. O decreto com a imposição das sanções foi publicado no site do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros dos EUA e desencadeou reações imediatas do governo brasileiro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou solidariedade ao ministro, repudiando o que classificou como tentativa de interferência externa no Judiciário brasileiro. Em nota, o STF também se manifestou em apoio a Moraes, reforçando que todas as decisões dele, inclusive as que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro, foram confirmadas por outros ministros da Corte.
A crise diplomática se insere em um contexto mais amplo de tensão entre os dois países, acentuada após os desdobramentos do processo judicial contra Bolsonaro. No início de julho, o presidente americano Donald Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, criticando o que chamou de “caça às bruxas” ao ex-presidente. Nesta quarta-feira (30), Trump assinou o decreto que institui as novas taxas, com uma série de isenções, mas manteve o tom de confronto político.
A Lei Magnitsky, utilizada como base para a punição a Moraes, foi criada durante o governo de Barack Obama em 2012, inicialmente para sancionar autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky. Em 2016, a lei foi ampliada para permitir sanções a qualquer indivíduo acusado de corrupção ou de violar direitos humanos, em qualquer lugar do mundo. Desde então, a legislação vem sendo usada em casos emblemáticos, inclusive contra membros do Judiciário de países como Turquia, Rússia e Hong Kong. Não é necessário processo judicial para que as sanções sejam aplicadas — basta um ato administrativo, sustentado por relatórios de organizações internacionais, imprensa ou testemunhos.
Entre os atos passíveis de punição estão prisões arbitrárias, tortura, execuções extrajudiciais, perseguições políticas e o cerceamento do trabalho de jornalistas e ativistas. Assim, a inclusão de Moraes nessa lista coloca o Brasil no centro de uma controvérsia internacional que pode gerar desdobramentos ainda mais profundos — tanto na diplomacia quanto na estabilidade institucional do país.
Cerco está se fechando para ministro, nos EUA