A Semana



O capitão e o mastro (Rogério de Moura)


Há alguns anos em Rio das Cobras um certo tenente Barros, oficial da marinha reformado, não contava com o prestígio desejado na sociedade riocobrense em que ele e a mulher faziam de tudo para ascender socialmente na elite local. Talvez se fosse de uma patente mais graúdas, quem sabe major ou coronel… Mas se fazia muito para as suas pretensões no meio social ele podia ser ao menos capitão… Se galgasse um posto superior… Quem sabe se ele e a esposa, D. Lene não subiriam na escala social. Daí em diante, seriam incluídos nas melhores e mais concorridas listas de convidados do Alto do Rio das Cobras. Tudo que eles precisavam era de uma oportunidade em que ficavam de antenas ligadas a qualquer acontecimento que lhes fosse propício de promoção pessoal.
Como quem espera nunca se cansa… Eles tanto que esperaram que a oportunidade apareceu; e, não foi coisa pequena, não. Finalmente o casal iria ascender na escala social conduzido pelos compadres Cecé e D. Detinha que foram nomeados como festeiros da “Festa do Divino Espírito Santo de Rio das Cobras”. E sabe como é… Compadre que se preza não deixa compadre na mão. Indicou prontamente o tenente Barros e a esposa D. Lene, como “Capitão do Mastro e Porta Bandeira” respectivamente. Imaginem: Finalmente o tenente seria promovido a capitão.
O sonho de ascender socialmente estava para se concretizar. Faltava pouco, mais alguns dias e pronto: eles ganhariam notoriedade na sociedade riocobrense. Os preparativos para da festa corriam no meio social de Rio das Cobras. O ten. Barros anunciava aos quatro ventos que preparava o melhor e mais belo mastro que alguém jamais construiu em toda a região e que seria mostrado à sociedade apenas na inauguração, mas nem o padre ele deixava que visse.
Tudo corria às mil maravilhas de modo que nem mesmo Netuno ou a fúria de mil Titãs seriam capazes de naufragar a nau capitaneada por eles. Dona Lene anunciava, orgulhosa, as qualidades da sua bandeira que deveria ser instalada pelo capitão no topo do mastro no dia da inauguração. Os preparativos já haviam sido providenciados com antecedência. As novenas e alvoradas aconteciam há dias. Faltava apenas o ato definitivo pra efetivar o início da celebração. Chega então dia mais esperado: o da inauguração do Mastro e o hasteamento da Bandeira do Divino Espírito Santo.
Era 18 horas, pe. João e o sacristão estavam reunidos diante da Igreja matriz, logo após chegou a comitiva de autoridades: o presidente da Câmara e a esposa, o prefeito e a primeira dama, os festeiros, outras autoridades, muitos curiosos, D. Lene com a sua bandeira e… ué? Cadê o tenente, quer dizer, o capitão e o Mastro? Espera daqui, espera
dali. Os olhares se entreolharam. Os festeiros começaram a se coçar. O incômodo foi incomodando e incomodou:
— Onde estão o capitão e o Mastro? — Perguntou o padre. D. Lene sem saber do marido disso o óbvio:
— Estão para chegar — Respondeu ela à espera de sossegar o padre que já se agitava e andava pra lá e pra cá, enquanto os dois não chegam. Espera de lá, espera de cá… E nada de aparecerem. Depois de uma hora de atraso, populares encontram o capitão e o trazem sob escolta, mas sem o Mastro. De bate-pronto D. Lene pergunta:
— Onde você enfiou o mastro? — O povaréu assistente começou a rir pela dubiedade da pergunta da esposa que não refrescou e partiu pra cima dele com dedo em riste que confuso não soube o que responder e quiz dissimular:
— O Mastro, que Mastro? — Perguntou o tenente querendo se esquivar, mas a mulher não deu mole e foi dura com ele fixou as mãos na cintura e bateu o pé no chão e desferiu:
— Sim, o Mastro! Imbecil! Cadê o Mastro da inauguração? — Inquiriu ela com autoridade em que ele murchou e se encolheu de vergonha. O padre o olhava raivoso. Cecé fazia cara de ué. Os demais assistiam atentos aguardando o desfecho que pelo jeito não parecia que ia ter inauguração dada a situação do capitão que parecia ter perdido a noção das coisas, haja vista por suas respostas:
— É que… é que… é que … — E ele foi ficando cada vez mais confuso e quis tentar fugir e foi barrado pelos seguranças do prefeito que o seguraram um em cada braço e o trouxeram carregado de volta. A sorte do ten. Barros e ter um amigo como o compadre Cecé que apaziguou os ânimos do pessoal mais exaltado e até quis ajuda-lo:
— É que, o que? — Indagou o festeiro compadre Cecé e esperou uma justificativa plausível para a inauguração do Mastro e que houvesse uma solução rápida do caso; porém, o que ouviu não foi nada satisfatório:
— É que… É que… Eu não fiz! — O tenente disse isso e se encolheu agachado no chão para se proteger da esposa que já estava com o cinto do vestido na mão. Mas, para sua sorte, ninguém reagiu de forma agressiva o que se viu foi o som de decepção geral:
— AAAAAAAAH! — Todos solfejaram em uníssono em reação de desânimo; e em seguida um o silêncio profundo tomou conta do largo da matriz em que as pessoas se entreolhavam, mas ninguém dizia nada, até que D. Lene se exaltou:
— Já sei o que vamos fazer. — Todos a olharam surpresos, mas quando ela foi expor sua ideia o prefeito pediu a palavra:
— Pode deixar que eu mando o pessoal do barracão fazer o tal Mastro amanhã, mesmo. Assim, adiamos a inauguração da bandeira para amanhã as 18 horas. — Pe. João
e os festeiros concordaram em aceitar a oferta e tudo ficou resolvido; porém, D. Lene discordou dizendo que se seu marido assumiu o compromisso de fazer o mastro e que ele tinha de cumprir. O capitão espevitou se comprometendo entregar o Mastro no dia seguinte, sem falta, mas sua esposa quis fazer uma reclamação em que todos se dispuseram a ouvi-la:
— Mas o dia da inauguração da Bandeira é hoje. E eu quero inaugurar minha bandeira. — Ela exigiu isso olhando direto pro marido e os presentes estranharam a exigência, afinal, como inaugurar a bandeira sem Mastro… Compadre Cecé a questionou:
— Inaugurar a bandeira como, sem mastro? — Todos a olharam esperando a solução em que ela caminhou até o marido e pôs a mão sobre seu ombro e anunciou:
— Vamos inaugurar o capitão no lugar do Mastro. — O povaréu espevitou em que três sujeitos já pegaram o Capitão no colo e carregaram até o buraco do Mastro o encaixando com as pontas dos sapatos. Ele se assustou com a ação dos homens, mas não tentou escapar, apenas exclamou.
— Eu?! — Exclamou ten. Barros em espanto de dentro do orifício e D. Lene se aproximou dele com a bandeira na mão afirmando ser ele o substituto reserva do Mastro até que seja instalado o oficial. O Capitão fez cara feia, reclamou, choramingou, mas não teve jeito a mulher não arredou o pé afirmando:
— Isso mesmo, você! — Concluiu a esposa e o povo em volta se animou com a sugestão. O coitado do capitão teria que passar a noite inteira segurando a bandeira no lugar do mastro! A esposa esticou o braço direito do marido e amarrou a bandeira uma ponta no dedo médio, o meio na camisa na altura dos ombros e a ponta debaixo no passador das calças em que a bandeira cobria mais da metade do corpo dele.
Dito e feito! A noite passou fria e ele ficou ali, cumprindo sua função “Mastroreira”. No dia seguinte, se teve a notícia de que o Capitão adoecera pegou pneumonia e estava internado. Dias depois, saiu uma nota na coluna social do Diário de Rio das Cobras que o tenente Barros ascendera para o reino dos céus.

Redação

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