A Semana



História de pescador (Rogério de Moura)



Os acontecidos narrados a seguir mostram a trajetória de um menino curioso de
alma, pensamento e coração livres como todos os meninos; e que só queria um pouco de
atenção. Seu nome não vem ao caso o que importa é que ele, um pesquisador pungente,
vivia a procurar a origem das coisas. Até aí, tudo normal, não fosse a falta de cuidados
delicadeza dos pais. Aliás, eles, os pais, preocupados somente com os seus umbigos,
mal davam-lhe atenção.
Assim, o menino tentava de tudo para obter o apoio de seus criadores para suas
questões pueris — inventando histórias, pregando peças, fingindo doenças, dando
recados inexistentes. Os pais não tinham do que se queixar, pois o garoto era educado,
estudioso, ia muito bem na escola sem precisar de ninguém — melhor assim, já pensou
se ele precisasse de ajuda?
Certa vez, o menino entrou esbaforido em casa, vindo da escola. Hora do almoço
em sintoma de raridade e momento único; dessas coisas que só acontecem uma vez. O
pai estava em casa, sentado na sala. Entrando esbaforido — Mãe! Mãe! Oi pai; o senhor
por aqui, numa hora dessa?
Explica o pai — Estou de folga.
Solicita o filho — Escuta essa, pai.
Desdenha o progenitor — Lá vem você com suas mentiras…
Insiste alegremente o menino — Não é mentira não! A professora me deu
parabéns por esta poesia. Olha só — recita — “Naturalmente olhei pela janela. Vi uma
folha a cair da árvore. Mais adiante dei nova olhadela: vi folha sob galho, galho sob
tronco, tronco sob o céu. É engraçado entender as sensações dos olhos, que bons olhos
me permitam, mas, bons olhos nos enganam”.
O pai impacientemente retrucou com desdém: — Foi você mesmo que escreveu
isso?
— Foi, pai! Olha só o que a professora escreveu. “Parabéns! ” — Mostrou
orgulhosamente
O pai olhou aquilo ressabiado, mas não duvidou e também não acreditou, achou
melhor não contrariar, porém ironizou: — Nossa, temos em casa um catedrático, um
Rui Barbosa; e como prêmio: hoje, você vai aprender a pescar!
— Pescar?! — Perguntou curioso ao que o pai respondeu com um sim.
Após o almoço juntaram os trens e saíram a pé em direção ao rio Tietê, era bem
perto. No meio do caminho havia uma valeta cheia d’água; — era vazante do Tietê e
sua várzea se estendia por mais de trezentos metros em largura fora do seu leito — eles
pararam à beira da vala buscando um modo de cruzar o obstáculo. O garoto não sabia
nadar e a distância entre as bordas não se podia transpor em saltos.
O pai imbuído de sua missão de educador vestido do jeito estava de calças,
camisa, sapatos, meias, com as roupas que havia chegado do trabalho; tirou os
documentos do bolso os colocou na bolsa; jogou a bolsa e as varas de pescar do outro
lado da vala. Depois, colocou o filho sobre os ombros e entrou na água — que chegou
até seu queixo — cruzou os quatro metros do canal e subiu do outro lado. O garoto
sentiu-se feliz, finalmente sentiu que seu pai queria proteger sua vida. E era verdade,
faltava ao progenitor apenas um pouco de instrução, gentileza e tempo.
Chegaram ao rio, o pai preparou as varas e explicou ao filho como colocar a isca
no anzol, calibrar a boia, lançar a linha n’água e observar as puxadas dos peixes. O
aprendiz fez exatamente o que o mestre recomendara e em cinco minutos pegou o
primeiro peixe. Encantado com a perfeição daquele momento, vibrou de felicidade e
prazer pela sua vida de criança.
Na sequência, pegou mais um, mais outro e mais outros. Quando os peixes
rarearam começou a inventar os pescados. O pai percebeu a mentira; e pela primeira vez
entrou na fantasia do menino. Assim os dois começaram a pescar enormes peixes
imaginários, até tubarão eles pegaram — coisas de pescadores — além dos lambaris,
guarus, bagres, tabaranas e mandis.
A volta para casa foi bem alegre, os dois conversaram e riram muito de todas
aquelas histórias de pescador. Eles pegaram muito peixe, seus embornais estavam
cheios de amor, carinho, felicidade, entendimento e esperança. Apesar de chegarem em
casa só com uma dúzia de peixes.

Redação

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