O sol desligava-se no oeste horizontal, alaranjando o céu de Rio das Cobras,
enquanto a noite abraçava suavemente a cidade. No velório do cemitério São Salvador a
equipe funerária acabava a arrumação do salão e fazia os últimos retoques no finado. A
viúva esquecida no canto, com um olhar náufrago, aguardava inerte a chegada da
parentalha. Coroas de flores se atabalhoavam pelo vazio local; ali ensejava a despedida
do amigo Araquém Aranha.
Os conhecidos passaram rápido; os parentes distantes também. Junto os colegas;
e, a viúva recebia às condolências, ainda no canto, triste e esquálida. Mas, de repente
seu semblante foi mudando, o olhar desafogando, o rosto acendendo e o sorriso
desabrochou – talvez ela tivesse se lembrado das peripécias do seu Homem Aranha. Ele
fazia jus ao nome, gostava de pregar peças e, vez por outra, contava com a ajuda da
esposa. Bem, festa na casa do Aranha era praxe as fanfarrices que divertiam e alegravam
a todos.
A viúva postou-se animada e animando-se cada vez mais com chegada de vários
amigos: o compadre Uóshito foi o primeiro; e, como sempre, em sua competência de
animar eventos, foi logo organizando as rodas de conversa e servindo chá. O povo
chegando, o velório acalorando, parecia festa. Flanelinhas criaram até um sistema de
valets; teve um que tentou cobrar ingresso, mas foi logo dissuadido pelos seguranças do
lugar.
E tome gente chegando: o Chico, o Magrão, o Brown, o Alemão, o Gil, o Carlos,
o Tuim, o Paulinho, os Broas, o Espanhol e tome amigo do Aranha, o Capeta, o
Anjinho, o Tilim, o Hércules. Depois da meia-noite chegaram os músicos. Aí “o bicho
pegou”.
O Uóshito resolveu arrecadar dinheiro pra suprir a festa de bebida, fazer o
gurufino velorial. O povo aprovou, imediatamente. Ele estava com as mãos cheias de
dinheiro quando foi abordado pela viúva: — O que você está fazendo, Uóshito?
— Juntando uma grana pra colaborar com o enterro — a viúva o interrompeu
dizendo que não se preocupasse, pois já estava tudo pago, o caixão, os arranjos, o
cemitério etc., e ele contra argumentou — Não! Esta grana é pra comprar bebida e
salgadinho pro povo.
— Ah! Legal — disse ela — também vou colaborar — e ele imediatamente a
interrompeu: — Não precisa, você já entrou com o defunto.
O clima esquentou, parecia revelion, até o Aranha dançou e transitou pelo
ambiente, a balada rolou madrugada a fora.
Pela manhã, às dez horas, o velório estava vazio quando os agentes funerários
chegaram para concluir o ensejo. Mas ao entrar estranharam a arrumação do ambiente.
O caixão estava no chão. O Aranha caído ao lado com um sorriso maroto de
canto na boca; e, o compadre Uóshito dormia do outro lado do caixão. Daí um dos
agentes questionou: — Afinal quem vamos levar o morto-vivo ou o vivo-morto?