Não era cedo nem tarde quando Pepê rompeu o silêncio da cozinha daquele que seria o dia mais marcante de sua trajetória “meninilíca”, pois, o garoto do alto de sua sabedoria de nove anos — segundo ele mesmo — havia feito uma brilhante descoberta e queria mostrá-la a sua mãe. Assim entrou esbaforido a falar, cozinha a dentro:
— Mãe! Mãe! Mãe! — E abriu a porta da geladeira que a mãe segurou e já meio tomando atitude de desaprovação e o indagou:
— O que foi, filho, que desespero é esse? — Querendo acudir o espevitado moleque que sem tomar fôlego expôs o assunto a ela sem temer o esbregue:
— Fiz uma brilhante descoberta. — Anunciou Pepê tiritando de alegria espalhando sobre a mesa alguns objetos que a progenitora já olhou meio torto e ameaçou retirar, mas os deixou ficar e logo questionou:
— Mas o que é tão incrível, assim? — Perguntou a experiente educadora sem ter a mínima noção do que poderia ser, mas em tom de desdém das capacidades criativas das crianças. Pra ela devia ser uma bobagem qualquer… E o garoto, mesmo percebendo a incredulidade da mãe não desistiu anunciando o projeto:
— São Bolinhas de sabão! Veja mamãe! — Exaltou ele entusiasmado e mostrava a mãe as bolinhas multicoloridas produzidas com um talito de mamona, água, sabão, uma latinha e delicados sopros de ar. Elas eram belas em matizes cintilantes de azuis, vermelhos, amarelos, violetas, verdes. Eram maravilhas iluminadas da engenhosidade infantojuvenil. — Aliás, quanta sutileza há na delicadeza de bolinhas de sabão! — O menino, encantado, brincava “espacionado” cercado de cores pelo ar enquanto a mãe fazia muxoxo decepcionada em que achava tudo coisa de criança, mas ele sonhava até que de repente ela o interrompeu:
— Mas elas são só umas bolinhas de sabão! Você sempre brinca com elas. Não vejo nada de mais nelas. — Desdenhou mais uma vez a progenitora enquanto Pepê viajava embolado entre elas que cintilavam sob a luz da lâmpada da cozinha o fazendo vibrar:
— Ah! Maiê… Veja como elas são sensacionais… — Exclamou o menino “flutuante” em meio às bolinhas multicoloridas cintilando brilhantes pelo ar em que a mãe as espantava abanando as mãos, mas o respondeu:
— Claro que estou. Já disse que são só Bolinhas de sabão. — Exclamou a mulher, impaciente, em que o garoto de bate pronto reforçou:
— Não, mãe! São as minhas bolinhas. Eu mesmo que fiz as mais belas, mais perfeitas e coloridas, mais reluzentes, mais extraordinárias bolinhas de sabão que alguém jamais produziu em toda face da terra. — Alardeou o garoto em que sua mãe concordou com desânimo:
— Tá bom! Mas o que é que você quer de mim? — Já querendo se livrar do menino e da conversa. O garoto se pôs em pé e com firmeza solicitou:
— Eu preciso da geladeira! — Pediu Pepê e esperou a resposta negativa ou, no mínimo, uma crítica sobre suas ideias que a mãe chamava de bagunça; porém, primeiro ela questionou:
— Mas pra quê? Não vai fazer bagunça na minha cozinha. — Negou a rainha do lar de posse do seu matriarcado. Mas o menino insistiu:
— Por favor, mãe! Eu preciso da geladeira pra minha experiência. — Justificou o menino quase implorando sob o olhar duro da mãe que argumentou:
— É mais uma de suas experiências malucas que nunca dão certo? — Falou de modo a depreciar o universo infantil. Mas o garoto é invencível e determinado e não se fez de perdedor:
— Desta vez vai dar certo. Pois eu vou congelar as bolinhas de sabão para vender. — Expôs ele convicto de seu projeto comercial. A mulher meneou a cabeça negativamente e deu um risinho debochado crente da ideia absurda do filho em que tentou dissuadi-lo:
— Mas filho, isso é impossível. Elas não duram quase nada e já estouram! — Descrente dos sonhos infantis, a mãe, tentou desanimá-lo. Mas ele é mesmo “Duro na queda” e investiu mais uma vez sobre a mãe:
— Mas é por isso que eu preciso congelar, elas, mãe. — Insistiu ele. A conversa durou alguns minutos até que a mãe se deu por vencida. Pepê passou parte da manhã e à tarde inteira executando seu projeto. À noite, quase na hora de dormir, a mãe o procurou:
— Então, filho? E seu mirabolante projeto, como foi o congelamento das bolinhas? Deu certo? — Ironizou ela. Perguntou pronta para trazer o menino às coisas adultas.
— Não deu certo, ainda! Mas eu vou descobrir uma maneira de congelar as bolinhas, para vender! — Exclamou confiante.
— Filho, será que você não percebe que as bolinhas não são de verdade… — Falou como quem esquecera o que é sonhar.
— Claro que são! Eu pego, elas. Vejo, elas. Brinco com elas! Elas são as mais verdadeiras e genuínas bolinhas de sabão que alguém jamais produziu. — Afirmou com a lucidez que trazia sua imaginação.
— Não, meu amor! Elas não são de verdade! — Disse a mãe tentando encerrar.
— Mãe! Elas não são de verdade pra você. Pra mim elas são as mais maravilhosas e verdadeiras bolinhas de sabão que alguém jamais produziu. — O menino voltou às suas experiências e a mãe nunca mais se importou com os projetos de Pepê. Afinal, a verdade é tão importante para a nossa sobrevivência que cada um tem a sua.
O menino cresceu, a mãe envelheceu e de tempos em tempos discutiam suas verdades. Pepê é um próspero empresário, empreendedor e antenado com as evoluções. Tem sua vida tranquila, casa, filhos, cachorro etc., mas nunca se esqueceu de seu incrível projeto de bolinhas de sabão…