Homenagem ao querido Prof. Armando Sérgio da Silva este conto é inspirado em dados reais. Era seu aniversário
de nove anos e o pai deu de presente as entradas do cinema em que assistiram ao filme Tempos modernos.
Leia ao som Smile ao piano.
Era uma manhã serena ensolarada quando resolvi cumprimentar um amigo por seu aniversário
e o encontro ressonava a paz de pessoas caríssimas entre si. Na biblioteca, acomodados
confortavelmente, conversávamos ao som do rádio que reverberava músicas de época e notícias
quando de repente o amigo, parou, reflexivo e disse:
— Meu pai foi um grande homem. — E seus olhos marejaram d’água enquanto o silêncio
tomou conta do ambiente que foi rompido pelo som da música vinda do rádio: — Smile, tema do
filme Tempos modernos de Charles Chaplin. Interessante que ele de imediato parou e balbuciou
emocionado:
— Esta música!… Quanta saudade!… Me lembro da primeira vez que fui ao cinema. Era meu
meu aniversário de nove anos e meu pai me deu de presente a entrada. Eu fiquei curioso e não via a
hora de ir ao cinema. Afinal, eu não tinha a menor ideia de como seria uma sala de projeções de
filmes. A ansiedade tomou conta de mim e meu pai me conduzia calmamente a debutar. O filme era
Tempos modernos de Charles Chaplin. — O amigo me contou o acontecido em detalhes e ao som de
Smile de fundo aclimatando a sala de cinema. Parecia que eu estava, lá, sentado ao lado dos dois
assistindo ao filme. Assim que eu me sentia.
— Assisti ao filme estático. — E continuou ele. — Eu estava extasiado, emocionado. Não…
Era mais que isso… Me sentia maravilhado. Passeia a sessão inteirinha quase que sem piscar para não
perder nada. Coisa de menino. Meu pai me olhava com encanto e admiração. Afinal, ele me deu de
presente o presente daquele instante presente mágico:
— The end! — Retomou o turno da conversa o meu amigo e continuou: — Ao final do filme,
nós saímos. Mas eu continuei nos êxtases boa parte do caminho de volta para casa em silêncio em
que íamos assim até meu pai quebrar a hegemonia daquele meu instante de vida:
— Como é, que é, filho? Gostou da experiência? — Perguntou meu pai curioso de minhas
reações em que me tirando do transe, repentinamente:
— Hum? O quê? — Respondi meio distante e meu pai, percebendo meu estado me chamou a
atenção:
— Oh! Rapaz! Volta à realidade. Perguntei se gostou do filme? — Sacudiu-me com rigor em
que espevitei imediatamente:
— O filme? Adorei, papai. E a seguir, disparei uma saraivada de “porquês”. Por que isso?…
Por que aquilo?… Por que?… Porque?… Porquê? Que enlouqueceram papai que me fez parar quase
tapando-me a boca:
— Calma, menino, você está muito afoito. — Daí, eu parei e ele continuou:
— Responda você! — Ele sempre respondia as perguntas com perguntas eu fiquei sem saber
o que responder em que só perguntei:
— Eu?! — Foi o que saiu na hora. Ele olhou sério pra mim e disse de modo firme:
— Claro! Você assistiu da mesma forma que eu! Você achou engraçado? — Atentou meu pai
para o lado infantil.
— Muito! Principalmente naquela hora no começo. — Respondi alegremente.
— Que hora? — Perguntou curioso.
— Quando ele continua com tremelique, mesmo depois de parar de apertar parafuso, e… na
hora da máquina de comer. Pai? Será que alguém consegue comer e trabalhar, ao mesmo tempo?
— Não sei! Nos dias de hoje, acho que algumas pessoas fazem assim!
— Engraçado ele correr atrás da dona, pensando que os botões da roupa dela eram parafusos.
Ele ficou “louquinho da silva”. Será que alguém fica daquele jeito só por causa do trabalho.
— Não sei filho, mas acho que com algumas pessoas, hoje em dia, acontece sim!
— E na cadeia? Puxa, ele vai preso toda hora! Foi engraçado ele salvar todo mundo só por
causa do pozinho. Que pozinho era aquele, pai? Será que é o pozinho dos super-heróis?
— Não sei, filho! Mas acho que algumas pessoas pensam que sim!
— E aquela moça?! Foi presa só porque roubou um pão? Ela passa o filme todo tentando
comer. Coitada, será que alguém é daquele jeito, que nem ela?
— Não filho! Acho que hoje em dia algumas pessoas vivem assim!
— E depois ele vai preso só porque está com a bandeirinha. O que tinha na bandeirinha, pai?
— Não sei filho! Mas acho que ela era vermelha!
— Puxa vida, ser preso só por causa de uma cor…
— O cachorro da mulher, late pra barriga roncante, dele. Aí! A mulher, toda fresca, olha pra
ele com cara de metida. Daí a barriga dela é que ronca e o cachorrinho late. Ela fica com vergonha.
Pai, o que tem demais a barriga da gente roncar?
— Se não for de fome, acho que nada!
O amigo me contou o filme e o encontro inteiro entusiasmado e em detalhes, mas a parte mais
marcante foi a lembrança do pai. Dizia ele:
— Foi um dos dias mais feliz da minha vida — continuou — em que pude desfrutar como
nunca da companhia do meu pai, que dali em diante passou a trabalhar cada vez mais. Trabalhou
muitos anos, feito um condenado, na linha de produção. Morreu aos 52 anos de over dose de trabalho,
dois dias depois de ter se aposentado. Infarto fulminante. Tudo que construiu, não desfrutou.
– Não sei! Olho pro meu pai. Vejo meus filhos, olho para a juventude e penso. Tempos
modernos… Aonde a tecnologia nos levou? Quem venceu o homem ou a máquina? Se fosse meu pai
a responder acredito que ele diria assim: “Não sei meu, filho! Mas acho que algumas máquinas
venceram, sim!”.
Partimos…



