A reunião de pauta seguia animada na redação do jornal rolando às altas
temperaturas e com animus empolgados. Os jornalistas se esforçavam tentando aprovar
suas ideias em que se o chefe aprovasse representava muitos pontos na linha de sucessão
carreirística. Choviam sugestões que o mandachuva crítico e criterioso recusava todas.
É aquela história: “O chefe é sempre o chefe”, pensavam os subalternos, mesmo que ele
não tenha razão, é o dono da situação e: “Manda quem pode. Obedece quem tem juízo”.
E seguia a reunião:
— Aquecimento global — Sugeriu um.
— Não — Rejeitou, ele, o chefe.
— Trabalho escravo — Argumentou outro.
— Também não — Recusou com autoridade. E assim, todas as ideias eram
rejeitadas, algumas, até mesmo antes de serem ouvidas, de modo que os comandados se
retraiam. Na redação, o clima foi ficando soturno e silente. Os repórteres se entreolhavam
ressabiados — Também, diante a tanta intimidação. Até que de repente lá do canto da
sala um novato se encheu de brio e lascou sua indignação:
— Profissional é profissional. Estudei pra car… — E já ia completando palavrão
quando foi interrompido pelo dono do poder:
— É isto, aí! Profissionais. É esta a pauta, de hoje. — Definiu o chefe.
— Até que enfim! — Enalteceram em uníssono e logo o “Todo Poderoso”
retomou:
— Vocês vão às ruas entrevistar pessoas, aleatoriamente. Perguntas: Qual
profissão? Grau de escolaridade? Como se tornou profissional da área? etc. — Logo em
seguida o novato, que tinha sugerido a pauta por engano, foi premiado pela sugestão com
área central da cidade, fotógrafo e tudo mais. Assim, todos se equiparam e saíram.
No centro, movimentado, o novato começou as entrevistas. Um ou outro parava
para ouvi-lo. Eram enfermeiras, pedreiros, serventes, garis, balconistas, médicos,
engenheiros, maquinistas, motoristas. E assim o foca foi fazendo seu trabalho:
— Boa tarde, senhora… — Interpelou ele uma senhora.
— Pois não! — Respondeu a mulher atenciosamente.
— Qual a sua profissão? — Perguntou de modo incisivo.
— Prostituta. — Espantou-se o novato da naturalidade com que a mulher tratou o
assunto e sem perder tempo retornou:
— A senhora estudou até que ano? — Questionou a escolaridade dela a espera de
uma precária formação intelectual, mas ela calmamente acendeu um cigarro e relatou,
incisiva:
— Por favor, não me chama de senhora, não. Fiz até o colégio e depois não tive
dinheiro para pagar a faculdade. — Declarou com certa indignação em quanto ele lia em
um caderninho algumas anotações. Pensou por um instante e a indagou com seriedade:
— Como a senhora, que dizer, você começou na profissão? — Ela fez uma cara
de tristeza. Pestanejou e em seguida falou calmamente com a voz meio embargada:
— Meu pai me mandou embora de casa quando que eu fiquei grávida. Eu fui parar
na rua e com uma filha pra criar. — Ela se lamenta — Saí da classe média para entrar na
classe miséria. O único trabalho que consegui foi este. A crise era geral e o desemprego
era nivelador. Daí em diante, sabe como é? Dá licença. Chegou um cliente. Vou ter que
sair — E se foi.
Depois ele parou um senhor baixinho comunicativo. O homem era desses tipos
felizes satisfeitos da vida e que riem até de hecatombes. O repórter o interrompeu:
— Por gentileza, senhor. Qual a sua profissão? — Agiu rapidamente.
— O quê que ocê perguntô? — Indagou o homem com sotaque acaipirado e logo
o foca reforçou a pergunta:
— Qual a profissão do senhor? O senhor trabalha com o quê? — Explicou paciente
ao senhor de pouca estatura que de imediato estufou o peito e de modo altivo posou e
falou:
— Ah!… Vereador! Com muito orguio! — O jovem repórter pestanejou um
instante coçando a cabeça, refletiu e retornou ao seu interlocutor:
— Caro, edil. Vereador é profissão? — E ficou esperando um argumento
convincente do homem público que não pensou duas vezes e usou de suas habilidades em
politiques:
— Não sei! Não é? Se não é, nóis vai mudá a lei! — Sorriu com sarcasmo e se foi
acenando aos quatro ventos. Logo em seguida apareceu um senhor e seu filhinho. Os dois
pareciam que passeavam sem compromisso. O jornalista os parou:
— Por favor! Qual a sua profissão? — E o homem, falando meio baixo,
entredentes e pensativo, respondeu com outra pergunta:
— Minha profissão? — Perguntou olhando meio desconfiado e com um olhar
avaliador sobre o foca e o fotógrafo. O novato reafirmou a pergunta de modo solícito:
— É, sim senhor! Qual a sua profissão? — O homem olhou para os lados, trouxe
o filho pra perto de si e se aproximou do repórter:
— Assaltante — E sacou uma arma e a apontou para o jornalista e o fotógrafo que
se assustaram quando ele anunciou:
— Aliás, isto é um assalto! Passa a caneta e o bloco de notas! — E se virou para
o outro: — Você passa a câmera e os filmes. — O fotógrafo e o repórter ficaram estáticos
quando o menino que acompanhava o profissional do crime falou:
— Ah! Paiê! Você prometeu que não ia trabalhar hoje! — O pai respondeu o
garoto ironicamente:
— Ora filho… Sabe como é! Profissional é profissional!