A Semana



Pare e siga: papéis (Rogério de Moura)

À espera de serem atendidas na fila do caixa de um banco em Rio das Cobras duas amigas se dispuseram a conversar. Há muito tempo que não se viam e assim fizeram às cortes festivas, o natural de entes queridas e saudosas entre si.
— Guiomar! Que surpresa! — Alteou a voz em saudação, uma.
— Dagmar! Você por aqui… — Devolveu a saudação no mesmo tom, a outra. Encantadas se puseram em conversa, ansiosamente, sem vírgulas e sem parar pra respirar. As duas falando ao mesmo tempo feito duas máquinas de vocábulos em hipervelocidade de 120 Rpm. Passados uns minutos entre turnos e returnos efusivos, – que chamavam a atenção dos os presentes – elas estancaram instantâneas, se olharam e esfalfaram de rir. As duas gargalhavam feliz espargindo alegria por todo ambiente já meio contaminado por elas em que algumas pessoas até partilhavam da conversa.
Elas riam, muito. Paravam de rir. Respiravam. Tomavam água, mas a sede de conversa não sedia em que seguiam organizadas: Quando uma falava outra se calava. E na necessidade de interrupção a outra levantava a mão em sinal de “Pare” e a primeira sinaliza “Siga”. Assim era a dinâmica da interação de tomadas e retomadas de turnos entre “Pares e Sigas” até que… “Azedou o pé do frango!” Foi quando a Dagmar tocou em um assuntou delicado:
— Guio, e o Antônio… tá trabalhando? — Insinuou mazelas sobre o marido da amiga o que logo rebateu:
— Sim! E está muito bem empregado. — E aproveitou para contra atacar:
— E o Geraldo já arrumou emprego ou continua no desvio? — Daí o clima pesou de vez. O banco ficou silente e em suspensão. Afinal assuntos que envolvem papéis sociais são dilemas por toda parte no mundo todo em que as pessoas fazem questão de se relacionarem com cargos e esquecem o indivíduo titular do cargo de si mesmo. Dizem que faz parte do status social no carreirismo funcional, principalmente, público. E de papel em papéis a conversa continuou e cada uma delas querendo fazer seu melhor diante o povaréu social assistente da discussão, inflamada, que já crepitava em fagulhas em quem ousasse arrefecer as flamas dos armistícios. Sobrava labaredas pra todo lado. O gerente ficou na dele, pois, quando quis interver, tomou logo um contravapor:
— Fica quieto aí, o Pau mandado, que pega um dinheirão, mas de verdade é um pobretão. — Lascou Dagmar a ordem pro homem que estatelou na cadeira e de lá só viu os acontecidos.
— Não é à toa que te chamam de Dagmá! Por que você é muito má. Dagmá! — Indicou Guiomar a qualidade da amiga.
— O mesmo digo, eu de você. Não é à toa que te chamam de Guiomá! Você cuida da vida de todo mundo e se esquece da sua. Só fica fazendo fofoca, falando mal dos outros o dia todo. Você é má! Guiomá! — Replicou Dagmar na mesma moeda.
— Está por fora, querida. Passei dessa fase, agora, que fiquei sócia do clube e até sou convidada pros cafés das senhoras. Fique sabendo que nós estamos muito bem. O Antônio é funcionário de uma multinacional. Começou como ajudante, passou a motorista e depois ele fez um curso interno pra ser promovido. Hoje está no departamento de transportes. Falou de modo a provocar inveja em que a outra preguntou torcendo o nariz:
— Ah, é? E o que ele faz de tão importante assim? — E se virou fazendo muxoxo à espera de um golpe fatal e, que a amiga encheu o peito e soltou o verbo pra todos ouvirem:
— Ele é operador de empilhadeira. — Guiomar exaltou esnobe orgulhosa do marido enquanto Dagmar riu debochando em que puxou o riso de surpresa do povo na agência e logo emendou de modo superior:
— Pois fique sabendo que o meu Geraldo está muito melhor que o seu Antônio, queridinha. Também começou como ajudante geral. Fez um monte de cursos e tirou carteira de motorista. Hoje é contratado em uma empresa que presta serviço para o DER. Sabe o que é o DER, queridinha… Departamento de Estradas de Rodagem. Ele está no ministério dos transportes… — Falou a esnobar a amiga de modo que exaltar a ignorância da outra que ficou confusa em que achou estar perdendo a parada. E mesmo assim perguntou, fazendo cara feia:
— Mas o que ele faz de tão importante, assim? — Guiomar teve medo que o tal Geraldo galgasse um cargo de muita importância no Governo Federal e então ela se preparou para receber o que pensou que seria uma bomba:
— O meu Geraldo é Controlador de Tráfego do Estado. — Falou Dagmar orgulhosa do marido e posou altiva em frente a outra que se sentindo diminuída retrucou acanhada:
— Mas ele controla o trânsito de todas as estradas do Estado… — Perguntou curiosa e o pessoal na agência espevitou querendo saber das ocupações do Geraldo em que a agência silenciou e todo mundo atentou para a declaração da esposa do Controlador de Tráfego do Estado de São Paulo. E ela não pestanejou e foi logo subindo em uma cadeira e se soltou o verbo diante da plateia silente:
— Ele é operador de Pare e Siga! Ele fica com as plaquinhas. — E o povo morreu de rir.

Redação

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