A Semana



É pena (Rogério de Moura)

O som de uma freada e o de bater de asas foi o que se ouviu. Olhares
rapidamente percorreram os arredores até se voltarem à direção provável do
ruído; e, o que se percebeu de imediato foram penas flutuantes espantadas
ao sabor do vento, Pombos revoando esbaforidos e um carro se distanciando
em alta velocidade.
No asfalto quente o Pombo estrebuchava às remanescência a alçar
voo. A seu lado um pequeno aglomerado de transeúnticos instalado ao
derradeiro que se enviará brevemente. O Pombo Ave que se constitui em ser
vivente, monogâmico. Não paga impostos nem pensões, mas digno de
respeito.
Atônitos os Observadores ameaçavam reação em prol de socorro ao
Emplumado, mas logo se demoviam da intenção, pois era mesmo caso de
morte em decúbito ventral, irreversível. Imaginem todos ali, Parados,
assistindo ao Pombo a se debater. Morbidez ou Curiosidade? O Pombo sem
recursos e com a asa quebrada, esperançoso por um resgate digno de sua
Espécie. E talvez, Ele ali, naquela tomada inferior, imaginasse o que
pensavam aquelas Caras Curiosas a espreitarem seu ato final, ou inaugural,
naquele momento. Tomada 1: Pombo — E se fosse Aquele Senhor que
estivesse a morrer? Pelo jeito que me olha, ora demonstra preocupação, ora
resignação. Pelas roupas deve ser médico. Parece sentir remorso, acho que é
pela sonegação de socorro. Mas que socorro? De fato, mesmo, não fez nada,
ficou parado a ver o que me aconteceria. Deixa lá. Ele que vá se entender
com Hipócrates.
O pretenso Defunto Voador estava prestes a embarcar em viagem
definitiva. A plateia continuava atenta não perdia um só movimento à
catarse que aviava iminente. O Pombo em sua pose mortal inteirava-se dos
demais; e partiu à tomada 2: — E aquela Moça com Cara de Tristeza?
Talvez seja Assistente Social. Pela cara do dó! Por que Todo Mundo só
sente pena depois que o Ser Penitente morre? Eu sempre tive minhas penas;
as senti a vida inteira, as usei para voar. – Ironiza – Mas essa Cara do Dó
Dela?! O que será que está imaginando? Ali, parada, não prestou nem um
fio de Assistência Social. Ah! Acho que está fora do horário de trabalho.
Deve ser isto.
E num outro olhar de soslaio e com muita dificuldade. Tomada 3:
— E o Moço Fazendo Muxoxo? Parece estar prestes a ter um desarranjo
intestinal. Muito sensível! E a Senhora Com o Poodle? O Cachorro só late,
pra mim. Ei! Bicho Peludo! Sai pra lá! Puxa vida! A Mulher Não Faz Nada.
Eu me debatendo aqui; esse cachorro quase me comendo e a Dona Olhando
para a cara de todos. Que foi dona? Tá esperando alguém segurar Seu Nobre
Cãozinho de Raça? Olhe, cuidado! Ele pode se contaminar com meu sangue
de Espécie Inferior.
Ainda na Tomada 3 – O quê?! Não acredito! Está ligando pro
marido?! Não senhora. Eu não preciso que seu marido mande ninguém para
me ajudar. Ah! Que pena! O marido não está? Não pode fazer nada? Pelo
menos pode demonstrar a sua força de vontade e Altruísmo com Espécies
Inferiores. Enfim, teve a oportunidade de Expor a Nobreza D’alma
benevolência à Sociedade Local. Chic!
Ficaram ali, Parados, olhando ora para o Pombo, ora para a Cara de
Um e de Um Para o Outro. Inertes, Atônitos, Imóveis.
De Repente veio Um Outro carro e Ploft! Pleft. Liquidou a Fatura.
Ao Pombo de uma Mancha vermelha asfáltica às Luzes dos Sétimos
Céus.
Às Pessoas Dàs Beiras das suas Mórbidas Curiosidades às Penas de
Prazer em Decúbitos Verticais.

Redação

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