A Semana



Morrendo de rir (Rogério de Moura)


Verônica acordou cedo para a vida, muita safa e inteligente, teve que crescer rápido para cuidar da irmã mais nova, pois, a mãe precisava trabalhar para trazer o sustento à família. A menina, sagaz e curiosa, duvidava de tudo que lhe era dito de modo que investigava às minúcias o que tinha interesse. Certa vez, ela fez um experimento sobre a expectativa de vida dos gatos com os gatinhos filhotes da gata de sua casa e já tinha afogado uns 4 no balde, enquanto a gatamãe miava desesperada em torno dela, quando a sua mãe a indagou espantada:
— Verônica! Você está matando os gatinhos! — A menina respondeu que só estava verificando quantas vidas eles tinham. A mãe, para conter o gaticídio, explicou que era uma metáfora a respeito do fôlego dos gatos, mas ela questionou:
— Mãe, quer dizer que é mentira o que dizem? — E a mãe rapidamente tentou consertar.
— Mentira não, Verônica. Digamos que seja uma ironia. Uma forma que o homem encontrou de questionar as meias-verdades — E daí em diante Verônica passou a questionar o mundo com veemência duvidando e ironizando a tudo e a todos. Ela perdeu a inocência e a crítica constante se fixou no seu olhar e um riso se congelou num canto da boca. Ela até se auto intitulou “VERÔNICA A IRÔNICA”.
Verônica seguiu sem dar bola para a mãe nem para a irmã e muito menos para simplicidade óbvia das coisas. Ela foi se elaborando cada vez mais e suas técnicas de ironizar a vida foram ficando mais sofisticadas, contundentes, com críticas severas, agressivas… E o riso congelado num canto da boca. E mesmo assim, dentro de sua cápsula irônica de sobrevivência, a sua vida deu certo em que o mundo exterior era um mero depósito de suas ironias.
Quanto mais Verônica amadurecia, mais seus questionamentos se adensavam e mais e mais ela ironizava toda e qualquer crença, doutrina ou filosofia que não fosse a sua. E criticava com acidez qualquer comportamento que não fosse o seu; tanto que, certa vez, numa praça do centro, ao ver um pastor que pregava em uma praça. Ela se espevitou quando ele falou assim:
— Irmãos, o dízimo serve para comprar um pedacinho de terra no Céu… é o seu lote para construir a morada ao lado de Deus… — Verônica o interrompeu.
— Ah! Seu Pastor, como assim? Lote no Céu… Você já tá me irritando. Quer dizer que você é um corretor de imóveis celestial. Eu lhe dou uma grana e você me garante que eu vou morar no céu, quando morrer? — O pastor indica que sim e ela retoma a discussão.
— Então tome aí R$100. Mas eu quero um lugar bom. Heim? Agora eu vou morrer… — E ela se coloca na posição de defunto no chão da praça e de repente explode em gargalhadas e subitamente desfalece perdendo todos sinais vitais. Verônica, por ironia ou não, estava morta. Chega o resgate, o paramédico a examina e diz:
— É catalepsia, a doença do riso. Ela vai ficar boa.
Dias depois, ela se restabelece e, ao saber do acontecido, teve um ataque de risos e, subitamente… Assim, ironicamente, Verônica foi morrendo de rir com… O riso congelado no canto da boca…

Redação

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